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Todos os indicadores comprovam que os pedidos de recuperação judicial de empresas devem disparar neste ano, na esteira da pandemia provocada pelo coronavírus. Escritórios de advocacia especializados no setor e economistas preveem que entre 2 mil e 5 mil companhias vão recorrer à Justiça para evitar um pedido de falência e ganhar tempo para se refazer da paralisação dos negócios provocadas pelas medidas de isolamento social adotadas no esforço de conter a disseminação da Covid-19.
Dados mensais do Serasa Experian indicam que em abril foram registrados 120 pedidos de recuperação judicial no país, alta de 46,3% em relação a março. Os pedidos de falência chegaram a 75, aumento de 25% em comparação com o mês anterior. Grandes, médias ou pequenas empresas tendem a ser atingidas, mas os setores de turismo e a aviação – dois dos mais atingidos pela crise econômica desencadeada pela doença – devem assumir a liderança daqueles que vão recorrer à proteção do Judiciário para reorganizar os negócios e continuar a operar.
A crise econômica provocada pela pandemia também vai atingir o agronegócio. Estima-se que os pedidos de recuperação judicial de empresas do setor devem dobrar este ano. Em 2019 foram 169, este ano podem chegar a 350. E o agronegócio é um dos mais exportadores brasileiros com peso considerável na balança comercial brasileira.
Nos últimos dias, dois casos se destacam como exemplos de como a pandemia atinge empresas das mais diversas áreas de atuação. Com uma dívida de R$ 400 milhões, a Universidade Cândido Mendes, criada em 1902 foi autorizada pela juíza Maria da Penha Mauro, da 5ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro a iniciar seu processo de recuperação judicial no último dia 17.
No pedido, o escritório de advocacia PCPC alega que a recuperação tem o objetivo de garantir que a instituição de ensino centenária continue a operar, preservando 1.300 empregos e a criação de conhecimento acadêmico e científico, entre outros pontos. A universidade, com 10 mil alunos, viu despencar sua arrecadação mensal desde o início da pandemia: de R$ 10 milhões no fim de 2019 para R$ 7 milhões em março.
O Ministério Público do Estado do Rio recorreu, na quarta-feira, da decisão da juíza Maria da Penha, alegando que a Cândido Mendes é uma entidade sem fins lucrativos e, por isso, não seria contemplada pela Lei de Falência e Recuperação Judicial. Os advogados da PCPC que defendem a universidade alegam que por exercer uma atividade econômica de forma organizada a associação pode ser considerada uma empresa. Na sentença em que admitiu o andamento do processo, a magistrada observou que “não estamos diante de uma empresa social, mas inegavelmente estamos diante de uma estrutura econômica produtiva, geradora de postos de trabalho e de riquezas, que serve tanto ao fomento da economia, quanto ao estímulo a políticas sociais, e que, portanto, não apenas deve ser preservada, mas sobretudo incentivada a crescer”.
É importante ressaltar que a ação da universidade comprova os efeitos negativos da crise sobre as instituições de ensino.
Em São Paulo, o juiz João Rodrigues de Oliveira Filho, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais, pediu à Viação Itapemirim mais detalhes sobre o impacto da Covid-19 sobre seus negócios. A empresa foi autorizada por ele a alterar seu plano de recuperação judicial homologado em maio do ano passado. A Itapemirim destinava 80% dos recursos de uma conta garantia para o pagamento de credores e o restante para capital de giro. Agora os percentuais vão se inverter. A maior parte dos recursos será usada para manter seus negócios.
A viação é uma das maiores do transporte rodoviário. Com o isolamento social adotado em março seu faturamento diário despencou em 90%, indo de R$ 800 mil para R$ 80 mil. A empresa previa vender R$ 370 milhões este ano. Agora reviu o valor para R$ 234 milhões. Com 11 mil empregados, a empresa alega que vai usar os recursos para quitar salários atrasados de março e abril e assegurar os pagamentos de maio de junho dos funcionários. O juiz considerou ser possível atender o pedido de inversão no uso dos recursos da conta garantia, independentemente de aprovado em uma assembleia de credores, por conta das especificidades dos tempos de pandemia e com base nas recentes recomendações do Conselho Nacional de Justiça. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em agravo de instrumento, negou o efeito suspensivo da decisão do juiz, indicando que deve manter sua sentença favorável à Itapemirim.
Os dois casos são exemplares e comprovam como a Lei de Recuperação Judicial é um instrumento legal dinâmico para manter a economia ativa, especialmente em tempos de pandemia.
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